Quer conhecer uma vaquinha de sucesso que tem a cara do Brasil? Conheça agora mesmo o Canto da Ema!
Assim como tantos milhares de estabelecimentos, o Canto da Ema passou por situações difíceis durante a pandemia de Covid-19. E vai além, porque, em alguns estabelecimentos, o retorno aconteceu antes. Mas as restrições – e a insegurança – da aglomeração, fizeram o Canto considerar seu fechamento.
Devido à cultura de dançar forró junto, como um “abraço ritmado”, o Canto foi penalizado mais que estabelecimentos que possuíam a possibilidade de oferecer mesas com distanciamento. Não era possível oferecer o mesmo entretenimento de antes, e nem faria sentido.
Por isso, o Canto fechou, conscientemente, para não gerar riscos para seus queridos frequentadores. Contudo, o sonho permaneceu e eles precisaram de ajuda para garantir a reabertura, em segurança, seguindo todos os protocolos.
Com histórias engraçadas e respirando cultura, o Canto tem em seu repertório grandes nomes, como Jackson do Pandeiro, Zé Ramalho, Elba Ramalho, Tom Zé, Zeca Baleiro, Lenine, Chico César e mais! Uma história que chama muita atenção é a de Dominguinhos, Lenine e Chico César tocando como Trio de forró, no Canto da Ema, para repassar os valores do show e ajudar a Dona Neusa, viúva de Jackson do Pandeiro.
Essa história acabou dando fruto, e a Elba Ramalho, com ciúmes, também quis fazer show no Canto da Ema. E assim ela passou a fazer pelo menos um show por ano, para destinar os recursos para projetos sociais.
Conheça um pouco do episódio com o Paulinho e o Gerson, do Canto da Ema.
Como surgiu o Canto da Ema e onde ele se localiza?
“Bom, eu vou falar, Paulinho. Porque eu fiz esse projeto em 1999 e acho que tem mais a ver. O Jefferson entrou um pouquinho depois, cuidando da parte de produção e comunicação da casa. Mas enfim, basicamente eu já trabalhava com Forró há algum tempo, eu milito nesse ritmo faz 30 anos. Depois de passar por vários espaços, eu senti necessidade de ter um espaço da maneira que eu queria. Sempre tive critérios muito definidos de como eu achava que deveria se desenvolver o ritmo. O forró sempre teve algumas “características” que não eram verdadeiras. As pessoas chamavam de risca faca, então a maioria dos lugares não eram bem cuidados. É como se fosse tivesse que ser feio, sujo e sem cuidado. E nada disso é verdade. O ritmo é oriundo do Nordeste, não necessariamente das classes mais baixas, mas da população geral. Faz parte da cultura brasileira! E eu queria que a gente tivesse, aqui em São Paulo, a possibilidade dessa vivência, sem ser cacto, que a maioria dos lugares faziam, decoração com “motivos nordestinos”, de qualquer jeito. A gente não quis fazer dessa forma. A gente fugiu desse caricato e tentou fazer uma casa bem decorada, arrumada, organizada, que recebe as pessoas como qualquer outra balada na cidade, que tivesse bom equipamento de som, bom atendimento, ótimos músicos e que fosse então uma experiência completa para as pessoas. Inclusive com gastronomia, com a possibilidade de bebidas e tudo mais. Então o Canto da Ema surgiu dessa necessidade de fazer a coisa dessa maneira e principalmente com muito cuidado com o ritmo. Vou te contar uma história muito bonita: o Luiz Gonzaga, que foi o criador do ritmo, ele teve um experimento incrível. Com certeza um dos alicerces da música Brasileira: o forró e o samba. Eles criaram uma coisa fantástica que propicia fusões mais fantásticas ainda e era isso que eu achava legal. A gente tem no Canto da Ema o ritmo in natura, do jeito que o Gonzaga, Jackson e Dominguinhos trouxeram. E também outras bandas, trazer também a fusão que novas bandas trouxeram, sem perder a essência do Forró. Porque as pessoas que chegam em São Paulo, chegam de outros lugares, outras cidades e de outros países. O mesmo para pessoas que moram na cidade de São Paulo e querem dançar um forró, podem ir ao Canto da Ema e encontrar o forró mesmo”.
Você acredita que o sucateamento do Forró é uma questão de preconceito com o ritmo e com o Nordeste?
“Aqui são duas coisas diferentes. O sucateamento da cultura, de maneira geral, vem acontecendo, principalmente mais recentemente, devido às políticas governamentais com relação à cultura. E aí não coloco partidariamente, mas a gente tá vendo que tem o sucateamento da cultura de maneira geral. Então está muito triste. Agora, com relação ao ritmo, eu não gosto mais de me pôr no lugar de coitadinho, que o ritmo é coitadinho, as pessoas não dão valor. Eu acho que tem duas coisas: uma é um certo preconceito, sim, esse sempre teve, com a coisa nordestina. É só você ver as últimas eleições. Não dá para você desligar a cultura de política, né? Sempre os nordestinos, principalmente aqui, em São Paulo, sempre colocados de uma maneira terrível, dá até vergonha quando a gente viaja e se coloca como paulistano. Eu sou paulistano e a gente, que é apaixonado pela cultura nordestina, quando chega lá e vê que a gente tem fama de ter preconceito, é uma grande bobagem. Porque quem já foi para o Nordeste sabe como o povo é incrível, maravilhoso e a cultura, principalmente, incrível e maravilhosa. Mas quando eu falo que eu não gosto mais de me pôr no lugar de coitadinho, vejo por dois lados. Um realmente tem, de maneira geral, um problema de não dar o valor necessário que o ritmo tem. Isso é verdade, é inegável, e é só a gente acompanhar a história. Eu estou há 30 anos vivenciando isso, mas por outro lado, eu vejo um amadorismo do nosso setor de forró, de maneira geral, muito muito forte. Tanto que os menos amadores, os que conseguiram se profissionalizar mais, por exemplo, a banda Falamansa, acabou conseguindo um país inteiro. O Tato é super competente, montou uma equipe competente, montou uma estrutura competente e acabou conquistando o país e sendo o maior arrecadador do ECAD na época de São João. Isso não é à toa, é trabalho, é coisa feita. São dois lados: menos oportunidade e menos possibilidade, e outro, a gente – e me ponho nesse meio – precisa melhorar o nosso trabalho profissional”.
Como é a dinâmica no canto?
“Oi, eu sou o Gerson. Estou no Canto da Ema há dois anos, quase três. Peguei um aninho de Canto só numa fase boa, e aí veio logo a pandemia. O Canto abre 5 vezes por semana, de quarta à domingo tem Forró no Canto da Ema. E a gente tem uma divisão aqui, que era muito do público do Forró. De quarta à domingo tem forró, quarta e quinta a gente abre das 8 horas da noite até 2 horas da manhã e esse é um público muito forrozeiro raiz, que vem para dançar no Canto da Ema. Sexta e sábado são os dias pop do canto, a gente abre às 10 horas e vamos até às 5 horas da manhã. E uma das tradições do Canto, que temos aqui, são as três últimas músicas. Eu frequentava o Canto uns cinco anos antes de virar colaborador e eram sempre as últimas três músicas para fechar a casa. Paulinho diz: não é bem assim, não. Ao contrário das outras baladas, a gente tem hora para acabar. A gente fecha às 5 horas da manhã no fim-de-semana. Esses horários são estabelecidos e são rígidos. Mas para não pegar ninguém de surpresa, acender as luzes e tal, anunciavam-se 10 minutos antes – que é mais ou menos o tempo de três músicas – as três últimas músicas da noite. A última música era uma música específica, que se chama de quarta à domingo no Canto da Ema, que foi gravada por uma banda chamada Os Filhos de Garanhuns. Quem compôs foi o Tiziu do Araripe, e acaba a noite com essa música. Então as pessoas já sabiam. A gente é cheio de música, isso é legal de contar pra vocês. Quando uma banda vai tocar, antes dela entrar, toca a música A Ema gemeu, feita pelos Alventino Cavalcante, D. Ayres Viana e João Do Vale. “A ema gemeu no tronco do juremá…” foi gravada pelo Jackson do Pandeiro e a gente tem aqui umas 12 gravações diferentes. Então, sempre antes de uma banda entrar, toca essa música. E quando a banda sai, toca uma outra música, daí dentre várias que foram feitas para o Canto. A gente recebeu muitas músicas, Trio Nordestino fez música para gente, João Silva fez música para gente, que foi gravada pelo Dominguinhos, que fala que o Canto da Ema é melhor Casa de Forró, quer é um forró bom mesmo vai no Canto da Ema. Zeca Baleiro fez música para gente, um monte de gente fez música para o Canto da Ema. E a gente tem um enorme orgulho disso, nos dá muita felicidade”.
O Canto é pura tradição, então…
“A gente tem muita tradição. Como eu falei, o ritmo, talvez, não sei se vocês acompanham tanto forró, mas era um ritmo que vinha caindo. O forró dominou as rádios na década de 50, com Luiz Gonzaga. Aí chegou a Bossa Nova, em 58, e meio que jogou forró para escanteio. Não só jogou para escanteio o forró, mas como a música regional. Todo mundo que tocava sanfona pôs para dentro do armário, queimou a sanfona e começou a fazer banquinho e violão. E aí criou-se a tradição de violão na música brasileira, né? E aí veio toda aquela geração incrível: João Gilberto, Gil, Chico, Caetano, Djavan… Enfim, todo mundo com violão, guitarra e essas coisas. Mas os tropicalistas, já com Caetano e Gil, foram trazendo o regional de volta. Então foi transformando em uma coisa meio pop. Gil, Caetano, Tom Zé, Gal, Bethânia, todos eles, a galera do tropicalismo. E aí foi aos poucos retomando, tanto que levaram Dominguinhos para fazer show com a Gal e outras pessoas. E aos poucos foi retornando. Já na geração de Elba Ramalho, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Alceu Valença… eles trouxeram outra vez esse ritmo. E ele foi ganhando espaço. Só que ainda não era suficiente. E a gente – eu e outras pessoas – aqui, em São Paulo, nos apaixonamos por forró. Eu e outras pessoas, sem nenhum motivo evidente ou o que fosse. Era uma paixão mesmo! E a gente começou esse movimento com os estudantes em 1991, mas ele tomou forma em 1994. Daí foi criado o termo “forró universitário”, até que o Falamansa estourou em 1999, tomou conta do país inteiro, vendeu 1800000 cópias no primeiro disco deles. Junto veio a Banda Arrastapé, Bicho de pé e Peixe elétrico. Então o forró tomou um vulto grande e o Canto da Ema começou em 2000, um pouco depois. Quando ele veio, ele ficou em um lugar cativo da cidade, virou uma das principais referências do ritmo não, só na cidade, como no país e no mundo. O forró tem grande abertura, principalmente na Europa, tem muitos festivais de forró. Em 2019 foram 55 festivais de forró pela Europa inteira e não eram de brasileiros moradores da Europa. Eram europeus, russos, dinamarqueses, ucranianos, noruegueses, então o Canto.da.Ema virou a grande referência disso tudo. A gente apareceu, isso não é dito por mim. As pessoas vêm falando, a gente vê nos festivais as pessoas com camisetas do Canto da Ema e virou tradição, porque a gente recebeu aqui todos os grandes nomes do Forró: Marinês, Dominguinhos, Geraldo Correia, mas também lançamos nomes mais atuais como Mestrinho, Dona Zefa e tantos outros nomes”.
Esse encontro foi intenso e repleto de boas histórias, apesar de durar aproximadamente 45 minutos. Ao escutar esse episódio, você será imerso na história da música popular brasileira! Quer escutar esse episódio na íntegra? Confira agora mesmo o Abacast #16 – Canto da Ema no Spotify!
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